
Produção de energia solar aumenta a cada ano. Foto: Envato/Elements.
A transição energética brasileira ganha novos contornos com o crescimento acelerado dos veículos elétricos (VEs). Em 2024, o país ultrapassou a marca de 170 mil veículos eletrificados emplacados, segundo a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE). Mas, para além do avanço da eletromobilidade, um ponto central se destaca: como integrar essa nova frota à matriz energética renovável do Brasil, potencializando o uso de energia limpa e sustentável?
A matriz energética representa o conjunto de todas as fontes de energia utilizadas por um país para suprir diferentes demandas, como eletricidade, transporte, aquecimento e indústria, abrangendo tanto fontes renováveis quanto não renováveis; já a matriz elétrica é um subconjunto da matriz energética, composta apenas pelas fontes empregadas exclusivamente na geração de eletricidade, ou seja, enquanto a matriz energética engloba todas as formas de energia consumidas, a matriz elétrica se restringe às fontes responsáveis por produzir energia elétrica.

O Brasil e sua matriz elétrica: um diferencial global
O Brasil se destaca mundialmente por sua matriz elétrica predominantemente renovável. Segundo o Balanço Energético Nacional (BEN) 2024, 89,2% da eletricidade gerada no país veio de fontes renováveis, com destaque para hidrelétrica, eólica, biomassa e, atualmente, a solar, um índice muito acima da média global (28,7%). Esse cenário coloca o país em posição privilegiada para a transição energética, já que, ao contrário de muitos mercados internacionais, a eletrificação da frota veicular aqui está diretamente associada à redução de emissões de carbono.
A forte presença de energia renovável no Brasil favorece a integração dos veículos elétricos, reduzindo a dependência de combustíveis fósseis. Esse cenário torna a transição mais eficiente e sustentável, consolidando uma base sólida para o crescimento da eletromobilidade no país.
Sinergias entre veículos elétricos e energias solar e eólica
O crescimento da frota de VEs estimula a busca por fontes renováveis de energia, especialmente solar e eólica, que já representam quase 30% da matriz elétrica nacional. A instalação de sistemas fotovoltaicos residenciais e comerciais vem sendo impulsionada diretamente pela demanda de recarga para veículos elétricos. Empresas do setor já oferecem kits solares junto com a venda de carros elétricos, promovendo uma integração que reduz custos e aumenta a autonomia energética do usuário.
Além disso, a geração distribuída (GD) — energia produzida no próprio local de consumo — já soma mais de 3,4 milhões de sistemas solares conectados à rede. Isso representa uma base sólida para a expansão da mobilidade elétrica sem sobrecarregar o sistema central.
Exemplo prático: Em 2023, a BYD presenteou clientes de modelos elétricos com kits solares completos, permitindo que a recarga do veículo seja feita com energia limpa e, em muitos casos, zerando a conta de luz residencial.

Impacto da eletrificação da frota na demanda de energia
Um dos questionamentos recorrentes é se o Brasil teria energia suficiente para uma frota 100% elétrica. Estudos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) mostram que, mesmo com uma penetração de 4% a 10% de veículos elétricos até 2030, o aumento no consumo de energia seria de apenas 0,6% a 1,6% — impacto considerado pequeno frente à capacidade instalada e ao potencial de expansão das renováveis.
Para uma eletrificação total da frota leve (cerca de 58 milhões de veículos), seriam necessários aproximadamente 124.538 GWh/ano, o equivalente à produção de duas usinas de Itaipu. Como a substituição plena da frota levará décadas, há tempo hábil para expandir a oferta de energia renovável e adaptar a infraestrutura.
Benefícios ambientais e econômicos
A integração entre veículos elétricos e a matriz renovável traz benefícios diretos:
– Redução de emissões: cada carro elétrico substitui um veículo a combustão, reduzindo a emissão de CO2 e poluentes locais, especialmente em áreas urbanas.
– Independência energética: usuários que instalam sistemas solares podem abastecer seus veículos sem depender do preço dos combustíveis fósseis ou da rede elétrica convencional.
– Geração de empregos e inovação: a sinergia entre os setores automotivo e de energia renovável impulsiona a neoindustrialização, cria empregos qualificados e estimula a inovação tecnológica no país.
Desafios e oportunidades
Apesar do cenário favorável, alguns desafios precisam ser superados:
– Custo dos veículos elétricos: ainda elevado, embora haja tendência de queda com o aumento da produção nacional e incentivos como o Programa Mover.
– Infraestrutura de recarga: é necessário ampliar a rede de eletropostos, especialmente fora dos grandes centros urbanos, e integrar soluções de recarga inteligente com fontes renováveis.
– Gestão da demanda: a recarga simultânea de muitos veículos pode gerar picos de demanda. Soluções como carregamento inteligente (smart charging) e uso de baterias veiculares para armazenamento (V2G/V2H) são tendências para equilibrar o sistema.

O futuro: projeções e tendências
O mercado de veículos elétricos no Brasil deve crescer exponencialmente até 2030, com projeções de que os eletrificados representem metade das vendas de veículos leves até o fim da década. Esse avanço será sustentado pela expansão das energias renováveis, políticas públicas e inovação tecnológica.
Brasil em posição privilegiada
O Brasil está em posição única para liderar a integração entre veículos elétricos e energia renovável, promovendo uma transição energética eficiente e sustentável. O avanço da eletromobilidade, aliado ao crescimento da geração solar e eólica, pode transformar o setor de transportes em um dos pilares da descarbonização nacio00nal.
Para isso, é fundamental investir em inovação, políticas públicas e infraestrutura, consolidando o país como referência global em mobilidade limpa.

Engenheiro eletricista com mestrado, doutorado, pós-doutorado e livre-docência na área energética, atua com foco em Energia e é especialista em Transição Energética e no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 7 (ODS7). É professor associado na Universidade de São Paulo (USP).