
Estação de recarga de veículos elétricos em condomínio. Foto: Divulgação/E-Wolf.
A ABVE, Associação Brasileira do Veículo Elétrico, divulgou uma nota oficial na qual reconhece avanços em relação à segurança das recargas elétricas em condomínios, mas vê discriminação à eletromobilidade na “Diretriz Nacional Sobre Ocupações Destinadas a Garagens e Locais com Sistemas de Alimentação de Veículos Elétricos”, publicada em 26 de agosto de 2025, pelo Conselho Nacional dos Comandantes-Gerais dos Corpos de Bombeiros Militares (CNCGBM/Ligabom).
A entidade questiona ainda mudanças no texto original construído em consenso em mais de um ano de diálogo entre entidades como ABVE, Secovi, Sinduscon, Abravei e outras, em conjunto com técnicos do CB-SP, e apresentado oficialmente ao Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo no dia 11 de junho de 2025.
Na nota, a associação avalia que o texto atual pode induzir à “publicação de normativas estaduais desequilibradas nos seus critérios de segurança, estimulando conflitos desnecessários entre condôminos, proprietários de veículos elétricos, empresas de recarga e administradores prediais”, e afirma que se a diretriz for mantida conforme divulgada, “a judicialização do tema será inevitável”. (Leia a íntegra da nota mais abaixo)

Pontos polêmicos
Apesar de reconhecer os avanços importantes na diretriz divulgada pela Ligabom, especialmente no que diz respeito ao capítulo sobre normativas de instalação de equipamentos de recarga (conformidade com NBR 5410, NBR 17019 e NBR IEC 61851‑1, corte de energia, desligamento manual e sinalização, entre outros itens) e nas provisões de segurança dos edifícios novos, a ABVE faz duras críticas ao texto.
“Ao prever uma série de medidas de segurança nos prédios existentes e apenas nas garagens onde houver Sistemas de Abastecimento de Veículos Elétricos (SAVE), a Diretriz, na prática, se mostra de difícil aplicação técnica e econômica para a maioria dos edifícios atuais. É também discriminatória à eletromobilidade e à instalação de equipamentos de recarga em edifícios, impondo custos desproporcionais às garagens”, diz a nota.
Segundo a entidade, o texto condiciona, no item 6 da diretriz, para edificações existentes, a instalação de chuveiros automáticos (sprinklers) e detecção automática em toda a garagem quando houver SAVE.
“Trata‑se de uma redação ao mesmo tempo clara e ambígua. É clara na discriminação aos sistemas de recarga, pois sempre que houver um SAVE toda a garagem será obrigada a ter chuveiros automáticos. E também ambígua, pois onde não houver SAVE tais chuveiros não serão necessários. Ou seja, punirá quem instala sistemas de recarga – equipamentos de alta confiabilidade – e será omissa quanto às garagens sem recarga, perpetuando o status quo”, aponta.

Erros técnicos na diretriz
A ABVE ainda evidencia erros técnicos no texto. “Ele contém também um importante equívoco técnico, que compromete a segurança do serviço de recarga. Restringe a recarga aos Modos 3 e 4 (item 3.2), mas, em outro trecho, admite “SAVE Tipos 1 e 2” para garagens externas (item 4.3). Confunde modo de recarga (conceito funcional da IEC 61851‑1) com padrão de conector (tipo físico). Trata-se de erro terminológico, já que a recarga Modo 1 é proibida internacionalmente, em qualquer circunstância”, diz a nota.
“A Diretriz Ligabom também não tem paralelo conhecido no mundo, ao atrelar a obrigatoriedade de sprinklers à mera existência de equipamentos de recarga nas garagens”, continua.
Por fim, a ABVE “roga pelo bom senso para que o documento da Ligabom seja devidamente ajustado e aplicado com sabedoria”. E conclui: “mantida a Diretriz como foi divulgada, a judicialização do tema será inevitável, bem como medidas legislativas visando assegurar por lei o ‘direito à recarga’ aos legítimos proprietários, usuários e fabricantes de veículos elétricos e equipamentos.”
Confira a nota completa da ABVE:
A propósito da “Diretriz Nacional Sobre Ocupações Destinadas a Garagens e Locais com Sistemas de Alimentação de Veículos Elétricos”, divulgada no dia 26 de agosto pelo Conselho Nacional dos Comandantes-Gerais dos Corpos de Bombeiros Militares (Ligabom), a ABVE tem o seguinte posicionamento:
A ABVE reconhece avanços importantes na Diretriz Ligabom, especialmente no capítulo sobre normativas de instalação de equipamentos de recarga (conformidade com NBR 5410, NBR 17019 e NBR IEC 61851‑1, corte de energia, desligamento manual e sinalização, entre outros itens) e nas provisões de segurança dos edifícios novos.
Contudo, ao prever uma série de medidas de segurança nos prédios existentes e apenas nas garagens onde houver Sistemas de Abastecimento de Veículos Elétricos (SAVE), a Diretriz, na prática, se mostra de difícil de aplicação técnica e econômica para a maioria dos edifícios atuais. É também discriminatória à eletromobilidade e à instalação de equipamentos de recarga em edifícios, impondo custos desproporcionais às garagens.
O texto condiciona, para edificações existentes, a instalação de chuveiros automáticos (sprinklers) e detecção automática em toda a garagem quando houver SAVE (item 6 da Diretriz).
Trata‑se de uma redação ao mesmo tempo clara e ambígua. É clara na discriminação aos sistemas de recarga, pois sempre que houver um SAVE toda a garagem será obrigada a ter chuveiros automáticos. E também ambígua, pois onde não houver SAVE tais chuveiros não serão necessários. Ou seja, punirá quem instala sistemas de recarga – equipamentos de alta confiabilidade – e será omissa quanto às garagens sem recarga, perpetuando o status quo.
O documento desestimula a oferta de recarga e cria um obstáculo injustificável ao direito do consumidor e à modernização dos edifícios e da frota nacional de veículos.
Ele contém também um importante equívoco técnico, que compromete a segurança do serviço de recarga. Restringe a recarga aos Modos 3 e 4 (item 3.2), mas, em outro trecho, admite “SAVE Tipos 1 e 2” para garagens externas (item 4.3). Confunde modo de recarga (conceito funcional da IEC 61851‑1) com padrão de conector (tipo físico). Trata-se de erro terminológico, já que a recarga Modo 1 é proibida internacionalmente, em qualquer circunstância.
A Diretriz Ligabom também não tem paralelo conhecido no mundo, ao atrelar a obrigatoriedade de sprinklers à mera existência de equipamentos de recarga nas garagens.
De fato, a própria Exposição de Motivos admite a “carência de regulamentação específica em âmbitos nacional e global” e o “caráter pioneiro” do texto — evidências de que não há referência internacional que suporte o vínculo obrigatório entre os sprinklers e os SAVE.
Ao longo de 17 meses de intensas negociações em torno do tema, a ABVE sempre defendeu medidas robustas e modernas para proteger vidas, patrimônio e edificações. Mas entende que segurança deve ser universal e neutra em tecnologia, conforme padrões consagrados pelas mais acreditadas instituições técnicas internacionais.
O documento também parece desconhecer o risco dos veículos a combustão. Os maiores sinistros recentes em estacionamentos — como Liverpool (2017) e London Luton Airport (2023) — tiveram origem em veículos a combustão, agravados pela propagação de combustíveis líquidos. A própria bibliografia da Diretriz cita o relatório pericial de Luton, evidenciando que a segurança deve ser universal, e não dirigida contra uma tecnologia específica.
Cabe lembrar que só no Estado de São Paulo ocorrem em média 16 incêndios de veículos a combustão por dia, ou quase 6 mil/ano, segundo o próprio Corpo de Bombeiros (CB-SP).
Os prazos definidos são igualmente inexequíveis: vigência em 180 dias e exigência imediata das medidas elétricas do item 3 para edificações existentes, o que é incompatível com a realidade de condomínios, shoppings e aeroportos.
Por fim, é importante frisar que o documento da Ligabom não seguiu o texto de consenso construído em mais de um ano de diálogo entre entidades como ABVE, Secovi, Sinduscon, Abravei e outras, em conjunto com técnicos do CB-SP, e apresentado oficialmente ao Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo no dia 11/6/2025.
A ABVE teme que o texto induza à publicação de normativas estaduais desequilibradas nos seus critérios de segurança, estimulando conflitos desnecessários entre condôminos, proprietários de veículos elétricos, empresas de recarga e administradores prediais.
Mantida a Diretriz como foi divulgada, a judicialização do tema será inevitável, bem como medidas legislativas visando assegurar por lei o “direito à recarga” aos legítimos proprietários, usuários e fabricantes de veículos elétricos e equipamentos.
Por tais motivos, a ABVE roga pelo bom senso para que o documento da Ligabom seja devidamente ajustado e aplicado com sabedoria. E segue à disposição dos Corpos de Bombeiros e das autoridades estaduais para revisar a Diretriz com base em neutralidade tecnológica, evidência científica e análise de risco, sem punir quem adota tecnologias mais limpas e sem travar a modernização das garagens.
Num momento em que milhares de vidas e bilhões em patrimônio continuam sendo perdidos anualmente por causa da poluição do ar e das mudanças climáticas, o Brasil não pode deixar de aproveitar a oportunidade de legar a seus cidadãos uma regulação moderna, viável, tecnicamente eficaz e segura para todas as edificações.

Jornalista graduado pela PUC-Campinas. Atuou como repórter, redator e editor em veículos de comunicação de grande circulação, como Grupo Folha, Grupo RAC e emissoras de TV e rádio. Acompanha o setor de veículos elétricos e outras energias renováveis para o desenvolvimento sustentável.